3 de dezembro de 2009

A cegueira



Pela primeira vez li uma obra completa de José Saramago. A verdade é que já tinha tentado ler e simplesmente acabava por abandonar a leitura. O modo de escrita não muito “convencional” do autor deixava-me pouco à vontade e simplesmente não conseguia desfrutar da obra e acabava por deixar o livro ao abandono... No entanto, tentei por fim dar uma outra hipótese ao nosso Nobel de literatura e acabei agora de ler o Ensaio sobre a cegueira.

Tinha visto a adaptação desta obra no cinema (realizada por Fernando Meirelles) e na altura foi um filme que me marcou. Um excelente filme, com uma fotografia fantástica... um filme que nos desperta e que desperta em particular todos os nossos sentidos.

Agora depois de ler o livro devo confessar que este excedeu as expectativas. Sim, continuo a não gostar do modo como o autor escreve. Sim, continuo a achar que por vezes é tão ou mais fácil ler algo de um teórico como o Georg Simmel do que alguns parágrafos de José Saramago. No entanto, apesar de tudo isso... é um livro fantástico.

E se... enquanto eu redijo este pequeno comentário os meus olhos deixassem de ver? E se... enquanto tu lês estas palavras os teus olhos deixassem de funcionar?

O cego ergueu as mãos diante dos olhos, moveu-as, Nada, é como se estivesse no meio de um nevoeiro, é como se estivesse caído num mar de leite. P.13
(...)
Chegara mesmo ao ponto de pensar que a escuridão em que os cegos viviam não era, afinal, senão a simples ausência da luz, que o que chamamos cegueira era algo que se limitava a cobrir a aparência dos seres e das coisas, deixando-os intactos por trás do seu véu negro. Agora, pelo contrário, ei-lo que se encontrava mergulhado numa brancura tão luminosa, tão total, que devorava, mais do que absorvia, não só as cores, mas as próprias coisas e seres, tornando-os, por essa maneira, duplamente invisíveis. P. 15, 16


É um livro que trata essencialmente do nosso funcionamento enquanto seres humanos e seres sociais. Para mim é essencialmente isso.
Somos uma espécie que funciona de determinada forma, com determinados limites e certas regras e normas. Tudo isto pode surgir de nós mesmos, da interacção que temos com a sociedade ou então da forma como fomos evoluindo enquanto espécie.
O José Saramago nesta obra pinta muito bem, no entanto, o nosso instinto mais “rudimentar”, o nosso lado mais animal, cruzando-o com as reflexões dos supostos limites e normas. Cruzando o animal, o selvagem e o grosseiro com o que nos é imoral e errado. Mas o que importa? Se não temos olhos não temos olhar e se não temos olhar... quem é que há-de vigiar a barreira que serve de limite?

Somos confrontados com situações de egoísmo, de procura de “sobrevivência”, de instinto puramente animal.

É desta massa que nós somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade. P. 40

... ainda está por nascer o primeiro ser humano desprovido daquela segunda pele a que chamamos egoísmo, bem mais dura que a outra, que por qualquer coisa sangra. P. 169


Mas sem esquecer a lembrança do que fomos e do que somos e a memória que fica dessa nossa identidade.

Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos. P. 262


É um livro que encoraja, sem dúvida, a uma boa reflexão sobre diversos aspectos que nos dizem respeito a nós enquanto seres humanos, seres sociais e acima de tudo, seres que “vendo, não vêem”.

Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem. P. 310



... Se antes de cada acto nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar. P. 84

Sim, o que é a razão afinal?

1 comentário:

  1. Nunca li o Ensaio sobre a cegueira, mas esta na minha lista para ler.
    Entao aconselhas ne?
    achas que eu vou gostar?
    xoxo

    ResponderEliminar