Ontem viajei até determinada terra. E foi lá que aconteceu algo que me marcou.
Depois de abandonar a carruagem e de ultrapassar as infinitas linhas paralelas, segui o meu trajecto. Deixei de ser passageiro e passei a ser peão. Tive de percorrer e subir ruas, recorrendo à voz para perguntar a outros peões “onde estou?”. É estranha a sensação de não sabermos onde estamos, apesar de termos um mapa à nossa frente que nos diz onde deveríamos estar.
Por fim, cheguei ao meu destino.
Destino provisório, pois logo teria de voltar para trás.
Quando viajamos não procuramos saber o trajecto de volta. Procuramos saber o trajecto de ida e é suposto que assim já saibamos como voltar.
Perdida como estava, ou tão certa de não o estar, nem me preocupei com isso. Poderia sempre recorrer ao tacto e calcorrear as ruas e os muros com as minhas mãos.
Voltei. Desci as ruas. Reconheci todas elas. Reconheci até o odor do sal enquanto me aproximava do mar.
Entretanto necessitei de energia e a energia dissipara-se. Não a encontrava em lado algum. Foi quase como se tivesse escurecido e a quente tarde desse lugar à noite. Mas não era uma noite fria, bem pelo contrário, era ainda mais quente. De facto, é estranha essa sensação de não ser o sol a nossa fonte de calor e luz. É estranho haver forças capazes de transmitir mais energia e mais calor do que uma grande estrela. Mas essa estrela está tão longe de nós… será assim tão estranho que o que esteja mais perto seja mais quente?
Quando ia a meio dessa minha viagem, nesse preciso momento em que não tinha e não encontrava energia, cruzei-me com ela. Quando ia a atravessar um caminho (e que confuso ele era) deparei-me com uma fonte de luz.
Mas naquele momento ela não estava no seu refúgio pois estava escuro. Ela precisava de calor.
E eu aproximei-me, dei-lhe o braço e ultrapassei esse confuso caminho com ela.
Essa luz chamava atenção por ser luz. Mas sendo luz, nada via. Eu juntei-me a ela com o propósito de a ajudar (pensava eu).
Ela era quente e foi amiga e companheira de viagem. Descemos as ruas e eu ouvi a sua história, a sua origem e o seu trajecto.
Ela estava tão mais perto do que o distante sol e tão mais brilhante, e no entanto não era ela que não me permitia ver. Olhando para o sol nada vejo, mas olhando para essa pequena luz… tudo via. Ela não. Ela nada via. E eu pensei que estava a guiá-la. Tocando no seu braço, eu orientava o seu trajecto. E ela comunicava comigo e eu ouvia. E eu via também. E ela não.
Cheguei ao ponto de partida. Despedi-me da luz e ela continuou o seu caminho. Vi-a a subir um caminho em direcção ao horizonte. Mas ela não me viu. No entanto, sentiu-me e perguntou o meu nome.
Eu respondi, pensando que o meu nome não teria qualquer importância. Afinal, o nome não permite apenas associar um ser a uma identidade? Como seria possível alguém não me ver e querer saber o meu nome? Ela não me viu!
Mas sentiu-me e viu quem era. Confiou em mim e deu-me a mão.
No final cheguei ao ponto de partida, à estação onde deixaria de ser peão e voltaria a ser passageiro. Contudo, não foi um ponto de partida mas um ponto de chegada.
A verdade é que foi nesta viagem que aprendi que o meu nome é muito mais importante para a luz me identificar mesmo não vendo a minha face, do que para qualquer outro que a veja. E aprendi ainda que não fui eu quem guiou a luz, foi ela que me guiou a mim. Mesmo sem vendo, ela deu-me o braço e levou-me de volta ao limite da terra, onde podemos ver o horizonte. E eu vi o horizonte e senti o odor do mar. Senti novamente o calor do sol e pude tocar na areia. Ouvi as gaivotas e uma locomotiva. E pelas suas asas da imaginação e pelas infinitas linhas paralelas voltei para o meu refúgio.
Foi mais uma viagem. Quando a viagem terminou pensei na obra que li recentemente de Herman Hesse, o Siddharta. Pensei na viagem que Siddharta fez e pensei na minha. E para também o poderem fazer, e para terminar aqui a minha história, deixo-vos a seguinte frase para lerem...
Podemos partilhar conhecimentos, mas não a sabedoria. (Herman Hesse, Siddharta)
E a seguinte música para ouvirem.
Suddenly... life has new meaning
Suddenly... felling is being
And you shine inside
And love stills my mind like the sunrise
Dreaming light of the sunrise
And you shine inside
And love stills my mind like the sunrise
Dreaming light of the sunrise
Dreaming light and...
I feel you but I don't really know you
I dreamed of you from the moment I saw you
And I've seen the sunrise in your eyes
The sky... the sea... the light
So live your dream beneath the northern horizon
Be at peace, set your heart in flight again
For the light is truth...
The light is you...
(Anathema, Dreaming Light)
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