23 de agosto de 2010

Bella Italia

Neste Verão consegui finalmente satisfazer o meu desejo de viajar ate Itália. Foi a primeira viagem, espero eu, de muitas outras. Apaixonei-me completamente. Visitei Milano, Firenze, Roma e Pisa. Faz hoje um mês que tal viagem começou. Saudades...

Depois de chegar ao aeroporto de Bergamo e seguir a estrada para Milão, consegui estrear a minha estadia em Itália vendo a mítica “última ceia” de Leonardo da Vinci. De seguida um passeio pelo centro, um primeiro gelato, as galerias vittorio emanuelle, uma visita ao belo Duomo (belo e super interessante quer por dentro quer por fora).



Depois da confortável viagem de comboio de Milão para Florença, tudo passou a ser indescritível. De facto é difícil descrever Florença. Tanto Florença como Roma vieram no coração. Cidades fantásticas.

Em Florença caminhei, respirei e saboreei. Visitei a Santa Maria Novella, a Santa Croce, a Galleria degli Uffizi (fantástica, fantástica!), a piazza della Signora, a Galleria dell’Accademia (grande “David”!), o Battistero e as suas fantásticas “portas do paraíso”, o belo Duomo, o museu Casa di Dante… e o bar Vivoli – gelateria, claro! Dos melhores gelados que comi em Itália!














A despedida de Florença foi triste, mas a viagem tinha de continuar. Próximo destino: a cidade eterna, Roma. Adorei! Mal eu sabia que ia adorar tanto como adorei. E a comida? Visitei o Vaticano e fiquei deslumbrada com os museus do Vaticano! A basílica de S. Pedro arrebata qualquer um e eu não fiquei indiferente.





Depois de um passeio pelo Vaticano e pelo castelo Sant’Angelo, foi altura de passear pelo centro de Roma: Pizza di Spagna e a sua bela scalinata, fontana di Trevi… Este passeio pelo centro de Roma foi continuado no seguinte dia, quando a caminhada me levou desde a igreja Santa Maria Maggiore até à igreja S. Pietro in Vincoli, onde se encontra o fantástico “Moisés” de Miguel Ângelo. Após percorrer a via dei Fori Imperiali foi altura de visitar o monumento a Vittorio Emanuele II. Os romanos podem não gostar dele, mas eu achei lindíssimo. Depois de uma breve visita ao campidoglio, visitei a linda chiesa del Gesu. Depois desta igreja, foi altura de ver a piazza della Minerva com um dos meus obeliscos preferidos: o que repousa numa das inúmeras esculturas de Bernini, um elefante. Seguidamente visitei o panteão, edifício antigo, impressionante e completamente diferente do que tinha visto até então. Depois de passar pelo palazzo Madama estive numa das praças que mais gostei em Roma: a piazza Navona. Belíssima! Depois de passar pelo Campo de Fiori e ter comprado umas belas cerejas (deliciosas!) pelo mercado, caminhei em direcção ao pallazzo montecitorio e palazzo Chigi, com o seu belo obelisco e a colonna na piazza Colonna. Pelo caminho visitei o bar giolitti! Melhores gelados de Roma! Voltei a visitar a Fontana di Trevi (desta vez de dia), segui para a piazza Barberini, descansei na bela Fontana del Tritone de Bernini e de seguida aproveitei para ver o por de sol ao pé do velho coliseu. Antes disso visitei ainda a pirâmide! Pois, Roma até uma pirâmide tem.
À noite retomei ao restaurante onde tinha jantado na primeira noite em Roma: tiempo di Minerva. Fantástico! Quando voltar a Roma tenho de lá voltar!




















No terceiro dia visitei devidamente o impressionante coliseu, fóruns romanos, palatino, circo massimo e ainda espreitei a boca della verita. Foi um dia de Roma imperial, muito cansativo claro, mas muito interessante.















No último dia em Roma aproveitei para visitar o interior do castelo Sant’ Angelo (que vistas!). Visitei ainda a macabra Cripta dos Capuchinhos, seguida da igreja Santa Maria della Vittoria, ao pé da piazza della Repubblica com a sua fonte das ninfas, onde pude ver o “êxtase de Santa Teresa” de Bernini. Por fim despedi-me de Roma indo à piazza del Popolo e visitando a igreja Santa Maria del Popolo.









Em Roma tudo é inesquecível. É uma cidade diferente, como dizem, é a cidade eterna. Além disso tem romanos muito malucos, mas também muito simpáticos. Tem comida deliciosa (e gelados!) e muitas fontes (no verão sabe mesmo bem, até porque há imensos bebedouros com agua potável e com todo o calor que se fazia sentir foi algo super agradável)!

No entanto, a viagem estava a acabar e foi necessário prosseguir para Pisa. Chegando a Pisa foi visível que se aproximava uma tempestade. A última noite em Itália foi em Pisa e rapidamente pareceu Veneza. Durante uns 5 minutos as ruas ficaram inundadas devido a uma grande chuvada! Mas, no dia seguinte, o sol voltou todo vaidoso e foi possível passear pela piazza dei Miracoli, ver a torre de Pisa, o Battistero, Duomo e até o Campo Santo.




Depois de um almoço com pizza como despedida de Pisa e Itália, foi tempo de dar um passeio pela pequena cidade, comer um último gelado e ir para o aeroporto internacional Galileo Galilei. O próximo destino seria voltar a casa.

Bella bella bella Italia.

13 de julho de 2010

A estranha sensação dos sentidos

Ontem viajei até determinada terra. E foi lá que aconteceu algo que me marcou.
Depois de abandonar a carruagem e de ultrapassar as infinitas linhas paralelas, segui o meu trajecto. Deixei de ser passageiro e passei a ser peão. Tive de percorrer e subir ruas, recorrendo à voz para perguntar a outros peões “onde estou?”. É estranha a sensação de não sabermos onde estamos, apesar de termos um mapa à nossa frente que nos diz onde deveríamos estar.

Por fim, cheguei ao meu destino.

Destino provisório, pois logo teria de voltar para trás.
Quando viajamos não procuramos saber o trajecto de volta. Procuramos saber o trajecto de ida e é suposto que assim já saibamos como voltar.
Perdida como estava, ou tão certa de não o estar, nem me preocupei com isso. Poderia sempre recorrer ao tacto e calcorrear as ruas e os muros com as minhas mãos.

Voltei. Desci as ruas. Reconheci todas elas. Reconheci até o odor do sal enquanto me aproximava do mar.

Entretanto necessitei de energia e a energia dissipara-se. Não a encontrava em lado algum. Foi quase como se tivesse escurecido e a quente tarde desse lugar à noite. Mas não era uma noite fria, bem pelo contrário, era ainda mais quente. De facto, é estranha essa sensação de não ser o sol a nossa fonte de calor e luz. É estranho haver forças capazes de transmitir mais energia e mais calor do que uma grande estrela. Mas essa estrela está tão longe de nós… será assim tão estranho que o que esteja mais perto seja mais quente?

Quando ia a meio dessa minha viagem, nesse preciso momento em que não tinha e não encontrava energia, cruzei-me com ela. Quando ia a atravessar um caminho (e que confuso ele era) deparei-me com uma fonte de luz.
Mas naquele momento ela não estava no seu refúgio pois estava escuro. Ela precisava de calor.
E eu aproximei-me, dei-lhe o braço e ultrapassei esse confuso caminho com ela.

Essa luz chamava atenção por ser luz. Mas sendo luz, nada via. Eu juntei-me a ela com o propósito de a ajudar (pensava eu).
Ela era quente e foi amiga e companheira de viagem. Descemos as ruas e eu ouvi a sua história, a sua origem e o seu trajecto.

Ela estava tão mais perto do que o distante sol e tão mais brilhante, e no entanto não era ela que não me permitia ver. Olhando para o sol nada vejo, mas olhando para essa pequena luz… tudo via. Ela não. Ela nada via. E eu pensei que estava a guiá-la. Tocando no seu braço, eu orientava o seu trajecto. E ela comunicava comigo e eu ouvia. E eu via também. E ela não.

Cheguei ao ponto de partida. Despedi-me da luz e ela continuou o seu caminho. Vi-a a subir um caminho em direcção ao horizonte. Mas ela não me viu. No entanto, sentiu-me e perguntou o meu nome.
Eu respondi, pensando que o meu nome não teria qualquer importância. Afinal, o nome não permite apenas associar um ser a uma identidade? Como seria possível alguém não me ver e querer saber o meu nome? Ela não me viu!

Mas sentiu-me e viu quem era. Confiou em mim e deu-me a mão.

No final cheguei ao ponto de partida, à estação onde deixaria de ser peão e voltaria a ser passageiro. Contudo, não foi um ponto de partida mas um ponto de chegada.
A verdade é que foi nesta viagem que aprendi que o meu nome é muito mais importante para a luz me identificar mesmo não vendo a minha face, do que para qualquer outro que a veja. E aprendi ainda que não fui eu quem guiou a luz, foi ela que me guiou a mim. Mesmo sem vendo, ela deu-me o braço e levou-me de volta ao limite da terra, onde podemos ver o horizonte. E eu vi o horizonte e senti o odor do mar. Senti novamente o calor do sol e pude tocar na areia. Ouvi as gaivotas e uma locomotiva. E pelas suas asas da imaginação e pelas infinitas linhas paralelas voltei para o meu refúgio.


Foi mais uma viagem. Quando a viagem terminou pensei na obra que li recentemente de Herman Hesse, o Siddharta. Pensei na viagem que Siddharta fez e pensei na minha. E para também o poderem fazer, e para terminar aqui a minha história, deixo-vos a seguinte frase para lerem...

Podemos partilhar conhecimentos, mas não a sabedoria. (Herman Hesse, Siddharta)


E a seguinte música para ouvirem.

Suddenly... life has new meaning
Suddenly... felling is being

And you shine inside
And love stills my mind like the sunrise
Dreaming light of the sunrise

And you shine inside
And love stills my mind like the sunrise
Dreaming light of the sunrise
Dreaming light and...

I feel you but I don't really know you
I dreamed of you from the moment I saw you
And I've seen the sunrise in your eyes
The sky... the sea... the light

So live your dream beneath the northern horizon
Be at peace, set your heart in flight again
For the light is truth...
The light is you...


(Anathema, Dreaming Light)

29 de junho de 2010

De Lisboa a Sintra, walking with Dinosaurs, Metallica e Slash

Recentemente fiz uma viagem a Lisboa e aproveitei para visitar alguns locais: desde a belíssima cidade de Sintra até à cidade lisboeta. Voltei a visitar o fantástico Palácio da Pena em Sintra e passeei pelos Jardins e Palácio da Regaleira. Muito, muito interessante! Tinha imensa vontade de visitar este local e fiquei maravilhada.






Tive ainda oportunidade de visitar o Museu Calouste Gulbenkian e o Museu Nacional de Arte Antiga.



Deambulei pelo parque das nações, pela praça do comércio (o chamado terreiro do Paço), pela Rua Augusta, Rossio, Marquês de Pombal e até um pouco pelo Parque Eduardo VII.
Tive ainda a oportunidade de assistir a um evento onde os dinossauros ganharam vida: “Walking with Dinosaurs” the live experience. Adorei ^^

Tive a dose anual de Metallica, mas desta vez a dobrar (o que foi duplamente bom) e foi ainda melhor pelo facto de ser um concerto indoor e não em festival. Memorável.



Marcantes também os concertos de Volbeat a anteceder Metallica, e claro, os Metallica.

Como não podia deixar de mencionar… não pela cidade lisboeta, mas aqui pelo Porto: extraordinário o concerto do Slash no passado dia 22. Acompanhado pelo Myles, dos Alter Bridge, deliciou completamente o meu apetite por mais um concerto. E que concerto…

9 de maio de 2010

A servidão humana



Terminei a leitura d’A Servidão Humana de William Somerset Maugham. Adorei!

É uma obra fantástica que nos aproxima das personagens de tal modo que se torna um vício a sua leitura e é complicado pousar o livro.
Não é uma autobiografia mas, tal como diz o autor, é “um romance autobiográfico”. De facto, após ter lido um pouco sobre o autor encontrei algumas semelhanças com a personagem principal, Philip.

A obra centra-se em Philip e no trajecto que este faz ao longo da sua vida. Ele desde cedo fica órfão, sendo que após perder a mãe se muda da cidade de Londres para o campo, onde vai viver com os seus tios. O seu tio é um vigário e então desde cedo Philip é confrontado com um mundo onde predomina a religião, sendo que depois frequenta um colégio interno também ele associado à vida religiosa. Philip tem uma deformidade: pé boto. Isto é e sempre foi o ponto fraco dele. É a sua fraqueza e de imediato sente isso quando é confrontado com os diversos olhares e até palavras pelo colégio. Mas esta fraqueza impera ao longo da sua vida… O Philip vai deixar-se afectar por esta deformidade ao longo dos anos descritos na obra. Apenas no fim, quando ele chega ao final da procura de si mesmo, me parece ter chegado também ao final desta fraqueza.

Os mais afortunados na vida são os que têm tão pouca consciência de si mesmos como as abelhas numa colmeia, pois têm mais probabilidades de serem felizes: as suas actividades são partilhadas por todos e os seus prazeres são apenas isso, prazeres, porque desfrutados em comum P. 56

Philip sempre tivera um gosto pela leitura e esta fazia com que ele tivesse o desejo de conhecer o mundo. Essa imaginação e o facto de viver no litoral ao pé do mar fazia com que Philip desejasse “navegar por mares nunca antes navegados” e partisse em descoberta do desconhecido. É com este desejo de liberdade que ele deixa o colégio, deixa o mundo religioso e parte para a Alemanha.

Liberdade! Finalmente era dono de si mesmo. Por força de hábito, agradeceu inconscientemente a Deus por já não acreditar n’Ele. P. 136

Quando volta da Alemanha para junto dos seus tios, Philip vai para Londres e começa a trabalhar na área de contabilidade. Estava sozinho preso ao cálculo e à infelicidade. Decide então “libertar-se” novamente e vai para Paris. Decide ser pintor.

O que sou capaz de fazer é o único limite do que posso fazer. P. 242

Após uns anos Philip começa a reflectir se seria essa a melhor opção de vida e reconsidera voltar para Inglaterra. Quando a sua tia morre ele volta para casa definitivamente. É aqui que ele decide regressar a Londres, mas desta vez para ser médico.

Uma juventude feliz é pura ilusão, a ilusão daqueles que a perderam. P. 139

A vida não valeria a pena ser vivida se me preocupasse com o futuro e ao mesmo tempo com o presente. Quando as coisas estão na pior fase acontece sempre alguma coisa. P. 365

Agia como se fosse uma máquina movida por duas forças, o ambiente que o rodeava e a sua personalidade; a sua razão era um espectador que observava os factos sem poder interferir. P. 446


Entre a medicina, o amor, a paixão e a tristeza surgem muitos episódios e muitas situações que levam Philip a percorrer um caminho muito conturbado.
Um caminho onde ele é servo. Um caminho onde ele procura ser feliz e não consegue. Apenas no fim ele alcança o que procurava.

Achei notável este trajecto e achei fantástica a narração por parte do autor. Uma bela obra que aconselho a lerem. Ajuda, acima de tudo, a reflectir sobre a "servidão humana" e de como é sermos servos da selva humana. Ajuda, acima de tudo, a reflectirmos na simplicidade com a qual podemos encarar a vida e as nossas decisões, recorrendo sobretudo a nós mesmos e não às nossas expectativas.

22 de março de 2010

Alice’s Adventures in Wonderland – Lewis Carroll


Who in the world am I? Ah, that’s the great puzzle! p. 24

Aproveitando a febre que surgiu com o novo filme de Tim Burton deste mundo sem sentido da Alice, decidi invadir este mundo de maravilha e perder-me um pouco nessa falta de sentido.

É uma falta de sentido que por vezes faz mais sentido do que o que tem sentido faz. E são afirmações semelhantes a esta que acabei de escrever que vão trocando as nossas ideias. Mas que têm lógica e que nos fazem sorrir pelos joguinhos que provocam nas nossas cabecinhas - mesmo que não nos consideremos crianças. É, portanto, um conto para crianças e não só! É um conto para adultos e para qualquer pessoa que esteja disposta a ler algo inocente e divertido.
É um mundo fantástico, é um mundo de diferentes coisas, novas histórias e diversas explicações. É um mundo irreal, sim. Mas é um mundo semalhante ao nosso. É um mundo de nonsense e o nosso também o é. É um mundo onde as formas alteram, desvanecem, diminuem e aumentam… Mas também nós mudamos e estamos constantemente sujeitos a mudanças.

Deixo aqui umas palavras de Lewis Carroll escritas em 1976:

An Easter Greeting to Every Child Who Loves "Alice".

Dear child,

Please to fancy, if you can, that you are reading a real letter, from a real friend whom you have seen, and whose voice you can seem to yourself to hear wishing you, as I do now with all my heart, a happy Easter.
Do you know that delicious dreamy feeling when one first wakes on a summer morning, with the twitter of birds in the air, and the fresh breeze coming in at the open window--when, lying lazily with eyes half shut, one sees as in a dream green boughs waving, or waters rippling in a golden light? It is a pleasure very near to sadness, bringing tears to one's eyes like a beautiful picture or poem. And is not that a Mother's gentle hand that undraws your curtains, and a Mother's sweet voice that summons you to rise? To rise and forget, in the bright sunlight, the ugly dreams that frightened you so when all was dark--to rise and enjoy another happy day, first kneeling to thank that unseen Friend, who sends you the beautiful sun?
(…)
This Easter sun will rise on you, dear child, feeling your "life in every limb," and eager to rush out into the fresh morning air--and many an Easter-day will come and go, before it finds you feeble and gray-headed, creeping wearily out to bask once more in the sunlight--but it is good, even now, to think sometimes of that great morning when the "Sun of Righteousness shall arise with healing in his wings."
Surely your gladness need not be the less for the thought that you will one day see a brighter dawn than this--when lovelier sights will meet your eyes than any waving trees or rippling waters--when angel-hands shall undraw your curtains, and sweeter tones than ever loving Mother breathed shall wake you to a new and glorious day--and when all the sadness, and the sin, that darkened life on this little earth, shall be forgotten like the dreams of a night that is past!

Your affectionate friend,
Lewis Carroll
Easter, 1876.

6 de fevereiro de 2010

Anna Karenina - Tolstoi



O romance começa com a situação de infidelidade de Oblonski (irmão de Anna Karenina) e de como Dária reage. Aqui está um bom prenúncio.

Aqui achei interessante a reflexão que o autor nos proporciona ao nível dos diferentes papéis de género, digamos, na sociedade em que se inseria. Era uma sociedade conservadora de facto, com o seu quê de moderno, mas afinal de contas é na mesma uma sociedade patriarcal. Dária, mulher traída, demonstra muito bem com alguns dos seus pensamentos a posição socialmente subordinada da mulher, os papéis parentais que devem ser assumidos, a preocupação com as relações familiares. Demonstra muito daquilo que ainda hoje ocorre.

Achei bastante interessante como numa sociedade tão diferente e distante haja tantas semelhanças com o actual, com o presente. Tolstoi remete-nos para a sociedade russa do séc. XIX é certo, mas remete-nos também para a nossa condição e para aquilo que nós vivemos no dia-a-dia. Acho isso louvável. Acho fantástico que por vezes me consiga identificar com uma situação ou personagem de uma sociedade russa do século XIX. Essa é uma das razões, creio, de Tolstoi ser intemporal e universal.

Esta parte inicial remete-nos para algo que adorei: a descrição do sentimento.
Não é incrível o modo como Tolstoi consegue descrever a alegria, felicidade, a tristeza?

Outra coisa que é fantástica nesta primeira parte são as personagens que vão desfilando. Temos já apresentadas diversas personagens e cada uma é mais interessante do que a outra. Temos Oblonski, bom mas infiel; temos a sua frágil mulher Dária; Lévin, Anna, Kiti, Vronski...

Outro aspecto maravilhoso na escrita do autor é o modo como ele descreve as situações e o modo como nos faz sentir realmente os sentimentos (peço desculpa pela redundância) dessas personagens nessas situações. Quem não sentiu o que o Lévin sente pelo facto da Kiti ser como o sol para ele? E o Vronski... não parece que nos encontrávamos dentro do cérebro dele quando conheceu Anna e sentiu de imediato toda a atracção por ela? Eu consegui sentir essa atracção pois Tolstoi colocou-me dentro da cabeça da personagem e sem dúvida que é um mestre ao conseguir fazê-lo.

Voltando à questão da sociedade...
Em termos políticos houve uma constante referência à tendência ora conservadora, ora à tendência liberal. É um tema que me parece dominante e sem dúvida que irá prevalecer nas restantes partes da obra com discussões em terno dos camponeses, trabalhadores e dos capitalistas e das suas mais-valias. Sem dúvida que a revolução e o comunismo são dois conceitos-chave pelo que foi dado a entender destas primeiras páginas.

Isto remete-nos para uma dicotomia que a mim me pareceu óbvia: campo/cidade.
A personificar o campo surge Lévin... e é ele que aproxima estes dois mundos separados. Tal como existe o campo e a cidade, também Moscovo e Petersburgo surgem como opostos e como "mundos diferentes".


Toda a diversidade, todo o encanto, toda a beleza da vida se compõe de luz e de sombra. (P. 51)


Esta bela frase remete-nos para esta questão dos opostos. Tal como a luz e a sombra, a cidade e o campo... existem muitas outras oposições, a felicidade e a tristeza, o amor e o ódio...

É como diz Tolstoi: tudo "se compõe de luz e de sombra".

Nesta primeira parte, sem dúvida que também é realçado Lévin. Lévin surge com o intuito de se dirigir a Kiti para a pedir em casamento. É demonstrado o seu amor, e a pureza do seu amor. É um amor tão puro e no entanto Kiti vê-se confusa devido a Vronski, sedutor e fonte de atracção. Há o devaneio, a paixão e o amor. Há o constrangimento social para a escolha do "melhor partido"... Há todo um conjunto de coisinhas... e há Anna Karénina. Anna Karénina surge desde início para uma reconciliação de seu irmão Oblonski com sua mulher Dária.
Mas será que também surge como o motivo de separação definitiva de Kiti e Vronski? E o que será de Kiti? E de Lévin? E o que será de Anna Karénina?

Anna Karénina... como referiu Kiti em relação a ela "há qualquer coisa de estranho, demoníaco e encantador..." (P. 92).

Mais uma vez penso nos opostos... penso na união e na separação, penso no anjo e no demónio, penso na luz e na sombra.

A segunda parte começa com a “doença” da Kiti. Começamos portanto com um desgosto de “amor”. Sim amor, pois acredito que não era esse o sentimento que Kiti nutria por Vronski.
Aliado a este desgosto surge também uma certa quebra na “harmonia” familiar da irmã de Kiti (Dolli) e do irmão de Anna (Oblonski).
Tudo isto acontece quando Anna faz a viagem de partida. Tudo começa a esmorecer. E também Kiti parte para uma viagem ao estrangeiro.
Quando Anna volta ao seu meio... ela vê-se “entre mundos” sociais. Ela não encara a sociedade da mesma forma e é acompanhada por uma ligação constante a Vronski, é acompanhada por uma “sombra”. Mas ela estava apaixonada, e ela sentia isso...
Ela própria sentia que ao vê-lo a alegria se reflectia nos seus olhos e lhe franzia os lábios num sorriso, e não conseguia sufocar a expressão dessa alegria. P. 137
Pois a sociedade em questão é uma sociedade onde os rumores e as críticas são sempre eficazes e rápidos. É um mundo do “mal dizer”. Afinal de contas... todo o mundo é e foi sempre assim, certo?

Achei bastante interessante a diferença de como reage a personagem feminina e a masculina. São reacções que demonstram precisamente a representação que existe e existiu em relação à mulher e ao homem. Anna tenta rejeitar e esconder, pois ela seria mal vista perante todos numa situação assim. Isto é, a mulher surge sempre moralmente condenada. Já Vronski surge aqui com um certo brilho e audácia:
Ele [Vronski] sabia muito bem que aos olhos de Betsi e de todas as pessoas da sociedade não corria o risco de ser ridículo. Sabia muito bem que aos olhos daquelas pessoas o papel do amante infeliz de uma rapariga e em geral de qualquer mulher livre podia ser ridículo; mas o papel de um homem que se afeiçoava a uma mulher casada e dedicava a sua vida a atraí-la a todo o custo para o adultério, esse papel tinha qualquer coisa de belo, de grandioso e nunca podia ser ridículo... P. 138
As situações de adultério parecem ser imensas e o facto dos casamentos seguirem muitas vezes o motivo da conveniência e não o da “paixão” é apenas uma ajuda para que mais tarde o casamento acabe por não resultar.

Em relação ao amor devo citar aqui umas palavras:
Para conhecer o amor é preciso cometer erros e depois corrigir-se P. 147
Ao nível de personagens devo referir que tenho uma aversão muito grande a Aleksi, marido de Anna. Ele rejeita o ciúme mas depara-se com a situação de Vronski e de Anna como sendo algo ilógico e incoerente. Ele fica inquieto e preocupado. No entanto, continua a desviar toda a importância para o seu trabalho e rejeita os sentimentos de Anna. A aversão que tenho em relação a esta personagem é devido a essa mesma rejeição e indiferença em relação ao que acontece no interior de Anna, sua mulher. É uma personagem fria que rejeita o seu papel emocional e dá mais importância ao seu papel enquanto “chefe da família”. Isto evidencia, sem dúvida, a questão do patriarcado que já referi anteriormente.
Ele disse mesmo: não tenho o direito de penetrar em todos os pormenores dos teus sentimentos, e em geral considero isso inútil e até prejudicial (...) Ao remexer nas nossas almas, muitas vezes desenterramos coisas que lá deviam permanecer imperceptíveis. P. 156

Eventualmente Anna e Vronski acabariam por ter uma relação e assim começaria a traição (para mim, essa traição já teria começado há muito). Quando isso acontece surge uma fantástica descrição do autor em relação a Vronski e Anna:
Sentia aquilo que deve sentir um assassino ao ver o corpo a que tirou a vida. Esse corpo a que ele tirara a vida era o amor de ambos, o primeiro período do seu amor. (...) A vergonha da sua nudez espiritual oprimia-a a ela e comunicava-se a ele. Mas, apesar de todo o horror do assassino diante do corpo assassinado, era preciso esquartejar esse corpo, escondê-lo, fazer uso daquilo que o assassino ganhara com o crime... P. 159

Lévin é uma das personagens que mais gosto. Isto faz-me lembrar a descrição que é feita da primavera. A chegada da primavera é uma das outras descrições maravilhosas. Bem como também a descrição da égua Frou-Frou.
Lévin afirmou algo que achei interessante pois remete-nos para a razão pela qual muitas vezes não alcançamos a felicidade:
Alegro [-me] com aquilo que tenho, e não me aflijo com o que não tenho. P. 171
Isto é dito a Oblonski, quando este se dirige ao campo para visitar Lévin e para tratar da venda de um bosque. Achei interessante a perspectiva de Lévin em relação à nobreza e à inocência destes no que toca a assuntos de terrenos e de outros assuntos relativos ao campo.
É ainda notória a revolta de Lévin para com o facto da nobreza estar a “falir” para os mais fracos devido a essa mesma inocência.

As reacções à relação de Vronski e Anna são diversas, mas parecem todas ir no mesmo sentido. Tal como pensava o irmão mais velho de Vronski: Não lhe importava que amor fosse aquele, grande ou pequeno, apaixonado ou desapaixonado, depravado ou não (...), mas sabia que esse amor desagradava àqueles a quem era preciso agradar e, portanto, não aprovava o comportamento do irmão. P. 184
Aqui se destaca novamente a questão das “aparências” e do julgamento da sociedade sobre esses assuntos “pessoais”, que se tornam então sociais.
Sentia como era angustiante a situação de ambos, como era difícil, expostos como viviam aos olhos de toda a sociedade, ocultar o seu amor, mentir e enganar... P. 193
E quando se sabe da gravidez de Anna esta questão da mentira e das aparências é novamente colocada e é então ponderada uma fuga dessa mesma sociedade.
Numa fase final da parte retomamos a Kiti e à sua nova vida “espiritual” no estrangeiro. Esta entretanto fica curada desse “desgosto” e volta de novo à Rússia.
Para terminar, deixo aqui uma citação que também achei interessante:
Há tempos em que se pode vender um mês inteiro por cinquenta cêntimos, e outros em que não se cede meia hora por dinheiro nenhum. P. 242

A terceira parte é essencialmente a oposição campo/cidade e também surge muito evidenciada a oposição nobreza/classe trabalhadora.

Logo de início somos confrontados com Lévin no seu mundo. Lévin encontra-se no campo e nesse mundo ele junta-se aos trabalhadores e trabalha com prazer. É interessante como o seu irmão e os próprios mujiques encaram isto com estranheza e de como a representação “não é trabalho para senhores” (Pág. 269) predomina. Isto para mim demonstra muito bem o quão estão delimitadas essas categorias, diferenciações e oposições. Ainda aqui é feita uma descrição da ceifa e nesta Lévin anda sempre entre gerações diferentes de trabalhadores. É o novo e o velho... São as tais oposições... E demonstram o quê? Apesar das oposições e das diferenças... tudo é igual. Neste caso, apesar de novo, apesar de velho ou até nobre... todos pertencem à vida e à morte e todos partilham o trabalho.
Gostei muito da aproximação que tivemos de Dollie nesta parte. Ela vem para o campo com as crianças e é neste cenário que a sua personagem cresce e eu gostei de acompanhar esse crescimento.
Quando Lévin se encontra com Dollie eles conversam sobre Kiti. Será Lévin capaz de esquecer o orgulho e a mágoa da recusa?
Achei muito interessante quando Lévin pensa “E porque é que ela [Dollie] fala em francês com os filhos? (...) Que coisa tão pouco natural e falsa! E as crianças também sentem isso. Fazem-nas aprender francês e esquecer a sinceridade” (pág. 283).
Eu achei isto interessante porque isto faz-me pensar nas raízes. Faz-me pensar no modo como os Russos foram adquirindo certos hábitos que não eram seus (costumes, língua...) e de como isto faz com que a identidade do próprio povo se reprima por vezes. Hoje em dia há toda uma diversidade que está presente em todo o mundo mas não pensamos nisso normalmente porque é algo que está demasiado enraizado e cada vez menos temos uma identidade própria mas sim uma só identidade global.
Lévin está num caminho à procura de respostas. Ele vive e procura a sua vida. Ele procura o seu destino, a felicidade. Ele reconsidera hipóteses, reconsidera a vida familiar e pondera o trabalho colectivo e a pureza, alegria e simplicidade que sente com o trabalho. Mas, “por acaso” surge Kiti novamente e Lévin soube que “só havia no mundo uns olhos como aqueles. Existia apenas um ser capaz de concentrar para ele toda a luz e todo o sentido da vida. Era ela. Era Kiti” (pág. 288).
Aleksei, marido de Anna, surge novamente e já sabendo da traição da mulher. “Sentia-se como um homem a quem tivessem arrancado um dente que lhe doía há muito” (pág. 289).
Ele já sabia e apenas esperava a confirmação. A personagem é fria e racional e certamente a incerteza é uma das suas piores inimigas. Mas agora que a certeza tomou lugar... alívio. E então o que fazer? Trata-se de uma personagem, como já referi, fria e racional, portanto “a única coisa que agora o preocupava era a melhor maneira, a mais decente, a mais cómoda para ele e portanto a mais justa, de se livrar da lama com que ela o salpicara na sua queda, e continuar a sua vida activa, honesta e útil” (pág. 290).
Eu acrescentaria também falsa, fria e solitária. E quais as “saídas”? Ele pensou em várias... desde o duelo, o divórcio ou separação, até ao castigo da mulher e o ocultar de tudo de modo a manter a mulher e tudo como era...
Obviamente teria de ser esta a escolha para “conforto” dele e da sua imagem na sociedade.
Sim, as aparências são muito importantes nesta sociedade.
Mas isto não é importante para todos certamente... apenas importa para aqueles que fazem a sociedade de facto, certo?
Quando Lévin se encontra com o latifundiário no campo ele pensa isso mesmo: era evidente que o latifundiário dizia o seu próprio pensamento, o que é raro acontecer, e um pensamento a que fora levado não pelo desejo de ocupar com alguma coisa um cérebro ocioso, mas nascido das condições da sua vida, que ele amadurecera na sua solidão do campo e analisara de todos os lados (pág. 340).
Lévin vive para a agricultura e os seus planos agrícolas quase que surgem como uma metáfora da revolução.
Mais para o fim da terceira parte o sentido da vida para Lévin começa a ser coberto por um outro sentido... o sentido da morte. É aqui que chega o seu outro irmão ao campo, Nikolai, e é aqui que Lévin se depara com a inevitilidade da morte.

Na quarta parte temos novamente as dicotomias a falar mais alto: a união e a separação, o fim e o início.
Temos a vida e a morte.

Esta parte foi um pouco diferente das anteriores na medida em que os papéis se inverteram. Houve uma inversão de papéis: de Anna, Vronski, Aleksi... Houve também uma reviravolta no que toca à história de Lévin e Kiti.

Um dos aspectos que mais me chamou a atenção nesta parte foi a mudança da situação de Lévin e Kiti. É a felicidade.

Foi também muito interessante conhecer o outro lado de algumas personagens, tais como Anna, Vronski e Aleksi. Estes formam um triângulo que não é de todo simples. É complexo e as personagens parecem ter muito mais a mostrar...

Tolstoi nesta parte pegou num pincel e em várias cores. Pintou com diversas cores e em diversas telas.

As personagens ganham aqui mais vida e mais cor. A mais surpreendente é Aleksi Karenin, pelo menos por mim.


Na quinta parte...
A quinta parte começa com o casamento de Lévin. Aqui o que para mim se destacou foi a visão dada da altura que antecedeu o casamento, o retrato da cerimónia do casamento e a ponte que foi feita entre as expectativas que a antecediam e a realidade após.
Temos aqui um pouco daquela representação que ainda hoje é alvo de piada por parte dos homens. Falo da perspectiva de liberdade e felicidade, da perspectiva de que o casamento dita um corte de asas ao homem. Por outro lado, vemos a mulher atarefada a “construir o seu ninho”, ansiosa por isso e atenta a todos os pormenores e expressões.
Mas Lévin estava apaixonado e apesar dos comentários dos seus amigos:
Liberdade? Porquê a liberdade? A felicidade está apenas em amar e desejar,pensar nos seus desejos, nos seus pensamentos, ou seja, nenhuma liberdade – é isso a felicidade!” p. 454
Mas a visão “pós-casamento” já era um pouco diferente... Certamente a felicidade não lhe parecia “tão feliz”:
Depressa sentiu que a realização do seu desejo lhe trouxera apenas um grão de areia da montanha de felicidade que esperava”. P. 474
Lévin tinha-se casado (...) Era feliz, mas de um modo muito diferente do que esperava. A cada passo encontrava uma desilusão aos seus anteriores sonhos e um novo encanto inesperado. Era feliz mas, ao entrar na vida familiar, descobria a cada passo que ela era completamente diferente do que tinha imaginado. A cada passo sentia-se como um homem que, depois de admirar o movimento harmonioso e feliz de um pequeno barco num lago, tivesse entrado ele próprio nesse barco. Via que não bastava ficar sentado imóvel, sem se baloiçar – que era também necessário pensar, não se esquecer nem por um minuto de para onde ia, de que tinha água por baixo dos pés, de que tinha de remar e que isso fazia doer as mãos por falta de hábito, que limitar-se a olhar para aquilo era fácil, mas fazê-lo, embora muito agradável, era muito difícil. P. 488
E da vida na cidade/campo e da união pelo “sagrado” partimos para os russos Vronski e Anna que se encontravam no estrangeiro. Aqui tenho de realçar a desadaptação dos russos, a tentativa de se camuflarem, de se “ocidentalizarem” e no entanto permanecerem com a sua identidade tão própria e tão “na margem”. E aqui não se trata de uma oposição entre cidade/campo, mas sim de uma oposição interior/exterior, nacional /estrangeiro e, acima de tudo, uma união “profana” e não sagrada.
E da união partimos para a vida. E da vida para a morte.
Nikolai, irmão de Lévin, surge novamente e a morte acompanha-o.
Uma das belezas desta parte é a descrição da morte em Nikolai e naqueles que a/o rodeiam.
Dantes cada desejo causado por um sofrimento ou por uma privação, como a fome, o cansaço, a sede, eram satisfeitos por uma função do corpo que proporcionava alívio; mas agora a privação e o sofrimento não obtinham satisfação e as tentativas de satisfazê-los causavam um novo sofrimento. E por isso todos os desejos se fundiam num só – o desejo de se livrar de todos os sofrimentos e da origem deles, o corpo. P. 511
E como partimos da vida para a morte, também a morte significa vida e esta surge com a gravidez de Kiti. O vulto da morte passou numa página, mas logo na seguinte surgiu um outro rebento de vida. É o ciclo, certo?
Comecei este comentário relativo à quinta parte por falar da felicidade de Lévin. Agora vou referir-me a uma outra personagem e a outro sentimento. Karénin. Só e triste.
Esta personagem é às vezes ridícula mas por vezes também exige compaixão e até pena. É neste sentido que surge Lídia, uma beata (creio que é a melhor palavra em termos de descrição da personagem). Karénin está num duelo psicológico e sente remorsos pelo passado. Sente que não procedeu da melhor forma pois agora vê e sente as consequências dos seus actos. É aqui que surge Anna novamente no seu país e na sua cidade. Ela regressa e deseja ver o seu filho Serioja.
Além de ter mencionado a descrição da morte como uma das belezas desta parte, vou também mencionar o outro aspecto que mais gostei desta quinta parte:
Serioja. Esta criança é adorável e adorei ler os capítulos que o abordam. A ligação da inocência e sabedoria neste ser tão pequeno (mas tão grande) é adorável. Ele tem uma alma pura e repleta de amor. Achei particular interesse ao facto de ele não acreditar que a mãe (Anna) está morta. Aliás, ele não acredita na morte porque ele ama; e amando ele continua a ser acompanhado por quem ama.
Tinha nove anos, era uma criança; mas conhecia a sua própria alma, ela era-lhe cara e ele protegia-a como a pálpebra protege o olho, e não deixava que ninguém entrasse na sua alma sem a chave do amor. P. 534

Outro ponto que achei interesse nesta parte da obra foi a perspectiva de Vronski em relação à sociedade. Isto é, que apesar da sua situação actual com Anna, essa situação iria sendo aceite com o tempo devido ao progresso e tanto ele como Anna teriam as “portas da sociedade” novamente abertas.
É possível ficar sentado durante várias horas com as pernas encolhidas na mesma posição se soubermos que nada nos impede de mudar de posição; mas se um homem sabe que tem de ficar assim com as pernas encolhidas, começa a sentir cãibras, as pernas ficarão com tiques e começarão a procurar o lugar para onde ele quer estendê-las. Era isso o que Vronski sentia em relação à sociedade. P. 536
Todavia, com o desenrolar da história é visível e previsível que a abertura dessas portas terá apenas um ingresso e esse ingresso será para Vronski e não para Anna.
Como um jogo do gato e do rato, as mãos que se erguiam para ele baixavam imediatamente diante de Anna.” P. 536


A 6ª parte começa com uma casa situada no campo repleta de gente. Lévin e Kitty têm a sua casa cheia de familiares e o sossego tão típico desta casa tirou umas férias.

Por outro lado, surge uma outra casa, também situada no campo, onde reina o isolamento, a separação. Vronski e Anna estão quase sozinhos e quase que têm que inventar o que fazer para que o tempo passe.

E nestas "invenções" percebe-se muito bem como Vronski e Anna estão num mundo aparte. Estão num mundo mais evoluído, certamente. Lévin, por outro lado, personifica o conservador e tradicional.

Há aqui ainda uma distinção entre o que vive no campo trabalhando e outro usufruindo e gastando.
Acho que isto resume muito bem outro ponto... Isto é, Lévin vive para a terra e sente o valor da terra ao ponto de sentir a obrigação de se dedicar a ela. Vronski já não surge como o amante da terra. Vronski vem para uma zona rural para procurar isolamento e distância da cidade que condena Anna. Mas Vronski retira valor dessa terra. Vronski não vive para ela mas retira o valor dessa terra e assim desfruta dela. De Lévin vemos a simplicidade, a neutralidade... Pelo lado oposto surge Vronski e o luxo.
Quando Dolly decide visitar Anna surge aqui a ponte que nos leva a esses mundos tão diferentes.

Achei muito interessante a conversa de Vronski com Dolly. Esta perspectiva da filiação interessou-me sobremaneira. Isto é, Vronski surge como um pai que é pai mas não é pai. É pai biológico, é pai afectivo; no entanto, não é pai legal da criança que é sua. Isto é interessante porque nos faz pensar na importância do parentesco. Faz pensar e reflectir no modo como por vezes os filhos podem ser tidos em conta não só enquanto sujeitos, mas também como "propriedade". Isto é, a preocupação principal de Vronski com essa questão é o facto da sua filha poder suceder-lhe por direito, poder ficar com os seus bens, poder ficar com o seu nome, poder continuar a dar vida no mundo após a sua morte devido a uma identidade existente. Estas questões jurídicas/sociais/biológicas interessam-me e achei que esta situação daria para reflectir muito mais...

Outra coisa que daria para reflectir muito mais, para mim, é Anna.

Eu não tenho qualquer antipatia com Anna.
É uma personagem muito interessante. É complexa, contraditória e esta parte ajuda a perceber melhor os conflitos que se passam com a personagem.
Ela não é propriamente má nem egoísta, na minha opinião. Esta personagem personifica a mulher propriamente dita. A mulher nua, a mulher que até fica mal na fotografia e que está à visualização de todos.
Anna, para mim, é aquela personagem que, apesar de não reunir a simpatia de quase ninguém, transmite uma naturalidade fantástica.
Ela é, por assim dizer, o retrato natural do que é ser mulher e viver em sociedade. E é uma mulher intemporal. É por isso que considero esta obra um clássico.
Anna é simplesmente uma mulher.

Ela desde início era imensamente apreciada. Todos gostavam de Anna. Ela era perfeita, tinha a vida social perfeita, família perfeita, ... Não era feliz. Mas era perfeita.
A perfeição desta mulher assumiu uma forma tentadora, de modo que Vronski se deixou apaixonar. Anna é tida como uma bruxa e começa aqui a assumir esse papel maléfico. Anna lança o seu feitiço.
Mas foi algo natural, certo? Ela não o fez propositadamente. Vronski correu atrás dela e apesar de ele ter sido também por sua vez tentador, ela tentou resistir. Vronski nem isso tentou, e no entanto ela é que permanece como a figura de tentação.
(A mulher simbolicamente, quer se queira quer não, sempre foi e sempre será associada a esta figura de tentação...)

Anna acabou por não conseguir resistir ao charmoso Vronski. O seu marido não se importava minimamente com os seus sentimentos, ela era quase desprezada enquanto ser emocional. Ela era apenas um ser racional e certamente necessitava de algo mais do que razão. Vronski foi um óptimo escape. Não é uma desculpa, é apenas a realidade transmitida pelo autor.
Mas tudo se desenrolou e surgiu a traição. Anna acabou por ser marginalizada (de certa forma podemos colocar as coisas desta forma), discriminada e completamente posta de lado.
Os únicos seres que alguma vez se ligaram a Anna enquanto ser emocional (e não racional) foi o seu filho e Vronski. Anna perdeu a ligação com a razão e só lhe restam estes dois seres.
Compreendo perfeitamente o fraco sentimento para com a filha que teve de Vronski. Sim, é grosseiro, rude, egoísta. É, um pouco. Mas se pensarmos na situação e na condição da personagem... é compreensível. Trata-se de sentimento, e quanto a isso ela é clara.
O sentimento de amor, no entanto, começa a ficar deturpado devido à quebra do vínculo com a razão. Anna começa a demonstrar que o que sente por Vronski não é propriamente amor, mas sim obsessão e necessidade.
Antes de tudo, necessidade.

Ela necessita dele. Ela já não tem o seu filho, nem poderá ter. Só lhe resta Vronski.
Anna surge como a culpada. Anna surge como a figura negativa. Mas Anna também nos faz pensar... Pelo menos a mim faz.
Anna pode ser vista como aquela que está a destruir a vida a dois homens: Karenin e Vronski.
Mas eu questiono: não foram esses dois homens que destruíram a vida de Anna? Um roubou-lhe a razão e o outro está a roubar-lhe o sentimento.
Anna está lentamente a perder a sua alma. Alma essa que foi retirada pela sociedade.

Já perto do fim...
Na 7ª parte destaca-se Lévin e o modo como este está deslocado na cidade. Aqui parece-me que Tolstoi recorre imenso à ironia e há certas partes que têm um certo humor.
Quando Kiti dá à luz o desespero de Lévin tornou-se comediante.
Vida e morte. Anna está a desmoronar e o leitor sente isso ao ler estas últimas páginas... Ela está doente. Anna está fora de si, mas ao mesmo tempo extremamente ela própria: em contradição.

A 8ª parte é muito interessante. O modo como foi perspectivada a morte de Anna e o seu final trágico é aqui muito interessante. Esta é a parte que junta os nós. Era necessária esta parte para terminar a moral. Esta parte é essencial porque permite o desenlace e o perceber na totalidade o desfecho do que o autor pretendeu transmitir.
Adorei os diálogos, os monólogos e os pensamentos de Lévin nesta parte. É fabulosa a reflexão em torno da vida que Lévin faz. O viver, sabendo que se vive sem pensar nesse viver. Trata-se um pouco do racionalismo/irracionalismo. Há um excerto desta parte fantástico... excerto que acabei por não passar para aqui pois seriam precisas umas duas páginas... Mas aconselho a prestarem muita atenção a essas palavras quando/se lerem o livro. Refiro-me a uma parte onde Lévin se debate com questões filosóficas e existencialistas e se compara com as crianças. Acho que essas páginas estão geniais.


Algo que marca este livro é o facto de ser intemporal. Acho que já referi isto mas é algo que é muito importante para mim.

Este autor, apesar de pertencer a outro século, brinda-nos com reflexões e com situações passadas que continuam a ser actuais. Isso, para mim, é fabuloso.

Um dos pontos mais interessante da obra é o jogo que o autor faz com o racional, irracional e com a emoção. Não se trata de uma obra que narra o trajecto de indivíduos isolados e suas relações/sentimentos. É uma obra que vai além, é uma obra que faz uma contextualização fantástica da sociedade onde esses indivíduos se situam e é uma obra com mensagens muito fortes mas ao mesmo tempo muito subtis.

É uma obra fantástica sobre vida, morte, amor, atracção, casamento e sociedade.

É uma obra que transmite uma mensagem muito subtil mas muito clara (pelo menos para mim o assim é): o amor acaba por vencer, o amor na sua verdadeira essência fala sempre mais alto e faz com que haja felicidade de facto, apesar do trabalho ou sacrifício.
Quando se trata de amor dissimulado, quando se trata de puro desejo ou atracção... a desgraça acabará por surgir e a infelicidade tomará lugar.

A principal moral deste livro, para mim, está intimamente relacionada com o trajecto de Lévin e Kiti e paralelamente Vronski e Anna.
Por um lado um amor de facto, um amor baseado em sentimentos “verdadeiros”, espirituais, mas também com sacrifício e trabalho... e de outro lado um amor carnal, baseado na atracção, desejo e prazer.

E depois temos tudo isto enquadrado com a realidade, a sociedade e todas as convenções e dependências que temos por sermos um ser social. É uma obra que lida com o modo como somos influenciados enquanto seres. Tomamos a nossa própria vida nas nossas mãos e nós é que tomamos as rédeas ou somos sujeitos a outros constrangimentos? É a sociedade que toma as rédeas da nossa vida?
É uma obra que aborda a vida e a morte por dentro dos conceitos. E estes conceitos ganham vida e fazem-nos deslumbrar a nossa condição. A desgraça e a felicidade.

3 de janeiro de 2010

2009 humm...

O ano de 2009? Foi bom.

Em termos de música... grandes festivais, grandes concertos! Tenho de destacar o concerto de Moonspell, Ramp e Soulfly no S. Mamede em Guimarães, o Violent Mardi Gras em Guimarães, o Priest Feast no Pavilhão Atlântico, o Optimus Alive em Oeiras, o Berço Fest em Guimarães, o Vagos Open Air, o Progressive Nation no Pavilhão Rosa Mota, o Vimaranes Metallvm Fest com Nile e uma série de warm ups e outros concertos, como por exemplo o concerto de encerramento da tour de Men Eater no Insólito em Braga ou os dois concertos do Angelo Kelly (em Londres e Lisboa)...

Em termos de cinema... muito bons filmes, como por exemplo: o 7 pounds, o Doubt, o Slumdog Milionaire, Changeling, Gran Torino, The soloist, A christmas carol e o Avatar em 3D.

De teatro creio que só fui a uma peça (Tambores na noite de Bertold Brecht) e fui a um pequeno musical dos Beatles organizado pelo conservatório de música Calouste Gulbenkian de Braga. Adorei ambos ^^
Ainda vi um outro evento teatral/musical que adorei! Falo de um evento realizado em Guimarães para comemorar os 900 anos de Afonso Henriques “o sonho de Afonso”. Lindo!

Foi um bom ano em Guimarães. Tivemos bonitas comemorações de facto. O torneio medieval foi outra delas.

Foi o ano em que mais vezes fui ao futebol. Na minha vida toda fui a 4 jogos de futebol, sendo que 2 delas foram este ano xD Fui ao jogo da selecção portuguesa com Malta para qualificação ao mundial e ao jogo do Vitória de Guimarães – Porto em Guimarães.

Em termos académicos... acabei a licenciatura em alta com um 19 na tese x)
Usufrui de uma bolsa de investigação num projecto fantástico. Em termos académicos e já profissionais obtive uma outra bolsa de investigação num projecto igualmente fantástico no qual estou a trabalhar.

Em termos de livros... Li muito bons livros. Nomeadamente o “Senhor dos Anéis” de Tolkien (finalmente preenchi essa lacuna), o “Norwegian Wood” de Haruki Murakami e o “Book Thief” de Markus Zusak .
Também dei uma nova hipótese ao Saramago e li o “Ensaio sobre a cegueira” e adorei. Continuei a descobrir Dostoievski, Dickens... Foi um ano produtivo.

Em termos de viagens pelo estrangeiro foi fraco. Fiz apenas uma viagem a Londres, se não estou em erro. Foi uma boa viagem e visitei alguns sítios que nunca tinha visitado em Londres, nomeadamente a Westminster Abbey.
Infelizmente fui obrigada a ir ao London Eye (algo que queria evitar até ao resto da vida) e sem dúvida que foi uma das experiências "inesquecíveis" do ano. Fui também a uma exposição de Darwin no Museu de História Natural que adorei.

De qualquer forma foi um ano que apostei em viagens por Portugal. Visitei sítios no Porto que nunca tinha visitado: Palácio da Bolsa, Igreja monumento de S. Francisco, museu e cemitério catacumbal.

Fui à zona centro de Portugal conhecer cidades como Batalha (fantástico mosteiro, grutas...), Tomar (convento lindo), Óbidos (apaixonei-me por esta cidade), Alcobaça... E fiz uma viagem a Lisboa onde fiquei finalmente a conhecer alguns sítios que nunca tinha visitado no seu interior (como por exemplo a Torre de Belém, o Mosteiro de Jerónimos...).
Até ao final de 2009 queria ter visitado as 7 maravilhas de Portugal que ainda não tinha visitado e tal foi concretizado ^^ Já visitei todas as “maravilhas” apontadas :)

O ano acabou em alta com a compra da minha primeira máquina fotográfica reflex ^^ uma Canon 450D.

E o objectivo de começar a aprender uma outra língua concretizou-se também com a frequência de um curso de Japonês x) Curso que irei continuar agora em 2010.

Agora que penso... 2009 foi muito bom e não apenas bom.

Em termos pessoais... altos e baixos, como tudo na vida.

Desejo para 2010: Saúde e paz para todos * (cliché, eu sei, mas no fim é o que importa).

(ahhhh e comer melhor e de forma mais saudável! E depois tirar uma folga do plano saudável e ir a Itália! xD)